Autor: Eng. Joel Pugas Martins – Gerente Técnico da JPA Smart Energy
A mais de dez anos atrás surgiu no Brasil a idéia do uso da energia solar para gerar energia elétrica. Poucos sabiam como funcionavam e se realmente era algo viável. No começo era tudo muito caro, pois não havia muitos fabricantes de módulos fotovoltaicos (FV) e de inversores, não havia ferragens e outros componentes específicos para compor o conjunto todo do sistema solar FV.
Conforme foi aparecendo interessados que entenderam e acreditaram nas suas vantagens, começou a surgiu uma demanda pelo sistema solar FV que não para de crescer até hoje. A Resolução Normativa da ANEEL 482/2012 foi um importante estímulo para o seu uso no sentido que permitiu a conexão do gerador FV na rede elétrica pública, no próprio loca de consumo. O consumidor passa a ser também um gerador, dentro do conceito da geração distribuída, sem nenhuma cobrança por parte da concessionária, exceto a já existente tarifa de disponibilidade correspondente a uma consumação mínima de até 100kWh/mês, para os clientes de baixa tesão. Do ponto de vista da concessionária isso não era muito justo, pois a geração fotovoltaica, infelizmente, não tem uma taxa de simultaneidade muito favorável, fazendo com que uma grande quantidade da energia gerada seja injetada na rede durante a insolação e depois à noite boa parte dessa energia é requisitada de volta, sobrecarregando os transformadores, cabos, conexões, etc. do mesmo jeito como sempre foi, ou seja, mesmo com a geração de energia sendo feito localmente a concessionária não pode abrir mão de todo esse ativo e de sua manutenção para garantir a energia elétrica para o consumidor. Ela perdeu receita, pois não recebia a parcela da TUSD da conta de luz, mas o custo para manter a rede elétrica ficou. Com a nova lei 14.300/2022 esse desequilíbrio foi consertado e a partir desse ano os novos entrantes da micro/minigeração passarão a pagar, de forma escalonada, essa parcela da TUSD correspondente a parte da tarifa do Fio B, mas em compensação, o consumidor poderá converter a consumação mínima, se não usada, em crédito, o que não era possível na regra antiga
Temos agora uma situação em que aparentemente fez-se um ajuste para a concessionária, pois há um entendimento que a geração solar FV já está madura o bastante para não precisar mais de tantos incentivos. Mas será que agora a geração fotovoltaica vai continuar sendo viável?
Realmente o custo de instalação do gerador fotovoltaico vem caindo ano a ano, apesar de que o preço de alguns componentes vem subindo devido a alta demanda, mas aparentemente isso tem sido contornado através de grandes investimentos que os fabricantes, principalmente os da China, tem feito nesse setor. O pretendente a micro/minigeração vai sentir o peso dessa nova sobretaxa na hora de calcular o tempo de retorno (“pay-back”), pois a economia na “conta de luz” com o a nova regra será menor que na regra antiga. Veja no exemplo mostrado na Fig. 1 um comparativo entre as duas regras.
Notas:
(1) – Foi considerado a NÃO compensação da tarifa do Fio B da Lei 14.300, no perído de 2023 a 2029, com média de 27% da TUSD.
Fig. 1 – Comparação entre sist. FV “on-grid”, nas regras antiga e nova.
Perceba que na tabela da Fig. 1 aparece a TUSD com a parcela da tarifa do Fio B como uma média entre 2023 a 2029 (15 a 100% da tarifa do Fio B, sem compensação), válido somente para os entrantes em 2023. Em 2024, e assim sucessivamente, a parcela da tarifa do Fio B não compensável vai aumentando, e portanto o “pay-back” também vai aumentando até 2029.
Não teremos mais as vantagens de antes da lei 14.300 e doravante sempre teremos o encargo da TUSD que vai aumentando até 2029, quando então teremos que pagar 100% da tarifa do Fio B que representa +/- 50% do total da TUSD, dependendo da concessionária. Vamos ter que acostumar com a idéia de ter que pagar para usar a rede da concessionária, lembrando, entretanto, que a TUSD será cobrada somente sobre a energia injetada na rede. É um pagamento que se faz para usar a rede, não para ela vender a energia, mas para usá-la como meio de armazenamento da energia produzida pelo micro/minigerador.
É como se o gerador FV, como foi concebido, estivesse incompleto, está pela metade: ele fornece energia, mas nem sempre na potência necessária. O gerador FV utiliza a rede como um reservatório que tem a capacidade de suprir a potência necessária a qualquer momento. É como uma caixa d`água que vai enchendo aos poucos, e ela cheia sempre vai suprir a água em volume para o qual foi dimensionada, a qualquer momento. Quando falamos que o gerador FV está incompleto queremos dizer que falta o elemento de armazenagem do próprio sistema FV, o qual é suprido, de forma precária, pela rede da concessionária. Por exemplo, a energia fotovoltaica é gerada em corrente contínua, porém somos obrigados a converter para corrente alternada, que não é um processo simples, para poder injetar essa energia na rede e assim conseguir armazená-la. Se não soubéssemos de todo o histórico da CC vs CA, acharíamos essa prática totalmente descabida. Como o gerador FV não tem seu próprio elemento de armazenagem ele tem que usar a rede para esse fim, portanto temos que pagar pelo seu uso, como se fosse um serviço prestado. Então a questão que temos aqui é qual a melhor forma de armazenar essa energia gerada localmente: usando a rede da concessionária ou fazendo uso de banco de baterias. Temos visto hoje em dia uma verdadeira corrida para se conseguir baterias cada vez mais eficientes a preços reduzidos, e não exatamente para atender essa demanda dos geradores FV, mas também e talvez principalmente para atender a demanda dos carros elétricos.
Mas voltando à questão da nova lei 14.300. Agora, com essa taxa de uso da rede (parte da tarifa do Fio B), o uso de baterias passou a ser vantajoso?. A resposta é: ainda não, aliás, muito longe disso. As baterias além de serem muito caras têm uma vida útil muito curta, e isso deve ser levado em conta. Ainda dentro do nosso exemplo fizemos um estudo comparando o retorno financeiro utilizando um gerador FV com inversor híbrido e 2 tipos de baterias: 1 caso usando baterias de ácido-chumbo e outro com baterias de lítio. Em ambos os casos vemos prós e contra. As baterias de ácido-chumbo são mais baratas, mas tem vida útil muito curta, enquanto as de lítio são o contrário.
Veja na tabela da Fig. 2 abaixo o resultado, ainda desse nosso exemplo, agora incluindo 2 casos novos, usando inversor híbrido e os 2 tipo de baterias.
Notas:
(1) – Foi considerado a NÃO compensação da tarifa do Fio B da Lei 14.300, no perído de 2023 a 2029, com média de 27% da TUSD.
(2) – Considerando bateria de ácido-chumbo com vida útil de 4 anos e custo de R$ 8,10/Ah nominal (ou R$ 675/kWh)
– Considerando bateria de litio com vida útil de 8 anos e custo de R$ 115,00/Ah nominal (ou R$ 2.400/kWh)
Fig. 2 – Comparação entre sist. FV ‘ on-grid”, nas regras antiga e nova, e usando inversor híbrido+baterias
Perceba que nos 2 casos não há muita diferença no “ pay-back”. A expectativa é que, a continuar com essa busca por baterias mais eficientes e baratas, o cenário possa se inverter e então instalar baterias poderia dar um retorno financeiro melhor do que pagando às concessionárias pelo seu uso, que atualmente não é, mesmo com essa nova taxa da TUSD.
Incluímos agora no nosso estudo um quarto cenário considerando uma redução de 50% no custo da bateria de lítio, mas mesmo assim, como mostrado na tabela agora completa na Fig. 3, o “pay-back” ainda é muito alto. O armazenamento de energia vai continua sendo ainda por muito tempo um grande desafio para os fabricantes.
Notas:
(1) – Foi considerado a NÃO compensação da tarifa do Fio B da Lei 14.300, no perído de 2023 a 2029, com média de 27% da TUSD.
(2) – Considerando bateria de ácido-chumbo com vida útil de 4 anos e custo de R$ 8,10/Ah nominal (ou R$ 675/kWh)
– Considerando bateria de litio com vida útil de 8 anos e custo de R$ 115,00/Ah nominal (ou R$ 2.400/kWh)
(3) – Considerando redução de 50% no preço de mercado da bateria
Fig. 3 – Comparação entre sist. FV ‘ on-grid”, nas regras antiga e nova, e usando inversor híbrido+baterias e uma esperada redução no custo da bateria de lítio
No entanto não podemos esquecer que ao optar pelo gerador FV híbrido com baterias, temos uma vantagem adicional que em alguns casos pode ser mais relevante do que a análise puramente financeira: é o fato do sistema FV híbrido+baterias poder continuar funcionando mesmo durante a falta de tensão da rede, operando no modo “off-grid”. Então apesar de o “pay-back” ser maior, ele agrega um valor ao sistema FV que é servir de “back-up”, como são os ”no-break”, garantindo energia elétrica por um determinado tempo durante um eventual apagão da rede da concessionária, o que não é possível com os sistemas FV convencionais, tipo só “on-grid”. Há muito decepção quando os micro/mingeradores descobrem que mesmo com muito sol eles ficam sem energia elétrica em casa durante esses apagões da rede.
Essa nova onda que vem surgindo com os inversores híbridos está só no começo e vai aumentar na medida em que as opções de armazenagem de energia elétrica forem se desenvolvendo a custos cada vez menores. Acredito que isso deva acontecer nos próximos 5 anos quando então veremos muitas mudanças no cenário da energia solar fotovoltaica.